segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Carrasco

Certas noites quando coloco a cabeça sobre o travesseiro buscando o sono dos justos o castigo começa. O som do mosquito a voar zunindo, orbitando meu ouvi me faz surdo. E assim, esse mosquito maldito entra em meus sonhos com sua orquestra solitária que ecoam por todos os recônditos cômodos de minha mente. Voa em todas as direções, livre, sem culpa, na sua eterna missão de perturbar minha noites, as transformando em sessões de observações desoladas do teto de meu quarto. Tento lutar, destrui-lo, mas todo esse esforço é em vão. Aquele único e infernal mosquito parece multplicar-se e esquivar-se com destreza de meus golpes desesperados. Cansado da luta improdutiva, minha nova estratégia é isolar-me acusticamente daquele carrasco voador. Inutil tentativa. Rolo na cama, de um lado para outro, embalado pela angústia de não poder dormir. Os ataques são ferozes, implacáveis e eu indefeso perco as esperanças. Triste na cama, lembro-me que eu nunca o vi. Realmente, nunca vi o autor dos zunidos mais odiosos dessas noite de insonia. E de tanto pensar sobre esse meu inimigo, chego a conclusão que ele mora dentro de mim. Alojado em minha mente, ele acorda quando tento dormir. Sim, hospedo meu inimigo dentro de minha própria casa. Passei a cada noite, observar sua atuação. Impressionantemente, noto que meu hóspede acordar desejoso de atividades nas noites de meus dias ansiosos, de meus dias preocupados e de meus dias de arrependimento, de meus dias de temor de dias incertos. Passei a crer que ele não era tão estranho assim. E verifiquei que ele e eu comungavamos da mesma alma, éramos um só e que o sonifero para ele seria a minha paz de espirito. Declaramos uma trégua. Eu fornecia a ele a paz de espirito e ele me devolvia minhas noites de descanso, meus sonhos e meus pesadelos. Nossos acordos foram frutiferos. Pudemos nos reconciliar. Até posso dizer sem exagero que ficamos amigos.
Então, dei a ele um nome, esse nome se chama Consciencia.

sábado, 19 de setembro de 2009

Como surgiu a chuva

A menina pergunta ao avô que olha o horizonte, vendo a chuva que se aproximava:
- Vô, como surgiu a primeira chuva?
O avô gentilmente sorri, olha para neta e responde:
-Minha querida, há muito tempo, nas eternas idas e vindas, o mar se apaixonou perdidamente por uma montanha. Ele se fazia azul, verde, e até vermelho às vezes para cortejar a montanha que ficava distante dele. De longe, em suas aguas a admirava, contemplava sem nada poder fazer, sem ter o mais básico direito dos amantes: de tocar-se carinhosamente, de poder ser dois em um só. Da impossibilidade de tocá-la, esbravejava seus dominios em ondas e maremotos. Fázia-se ouvir, assustando homens e as feras de suas águas. Seus lamentos de fúria e frustração ecoavam pelos céus. Seu amigo vento o ouvia paciente, escutando a dor do gigante, prestando os deveres de sua amizade.
E o mar buscava de alguma forma adentrar a terra, ia e voltava sem ir muito longe, limitando-se à praia, deixando sobre a terras suas pérolas como presente. Porém, um dia, então que tomado de paixão, alucinado de amor, o mar sumiu, evaporou-se, subiu pelos ares com ajuda de seu amigo vento, cruzou as distância e desceu ao encontro de sua amada, na forma de chuva. Suas águas antes salgadas, eram agora um beijo doce e molhado que enchia de vida a montanha e a tornava mais esplênida.
Mas como é de costume, a felicidade é uma flor que dura pouco, o beijo dos amantes, precoce em seu fim, tornou-se rios que o levavam de volta ao seu lugar, distante e salgado como as lágrimas de um choro. Separado de sua amada, ele, quando sente saudades, sobe destemido aos céus, voa por sobre o mundo, e a beija ternamente e chora pela dor da despedida.
Então quando virdes a chuva, lembra-te do que o amor pode fazer, e de como é triste uma saudade - o avô sorriu mais uma vez inspirado pelo também doce sorriso da neta e continuou com a sensação de ter contado à neta um dos segredos do Universo e viu que uma chuva se aproximava ao longe - agora vamos voltar para dentro de casa que sua vó já está chamando para o jantar - refletiu mais um pouco e por instantes imaginou a beleza do amor que a neta iria sentir em seus dias de adulta e feliz continuou - acho que você um dia você ainda vai entender tudo isso bem melhor.
Voltaram, e naquela noite, gotas de chuva estalavam no vidro da janela e então puderam ouvir o choro de um gigante.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

As coisas mais lindas

Às vezes eu sou a pipa, que deseja os ares, cobiça as nuvens ao sabor do vento . E você me mostra que meus limites são ilimitados. Do chão você me observa e me permite. E eu subo, e posso ver, cada vez mais além, por sobre os mares e montanhas. E assim, vou encarando o sol, olhando este mundo se tornar pequeno, e de tão pequeno que cabe em minhas mãos. Não vejo fronteiras. Tudo é um grande quintal, onde crianças brincam brincadeiras sérias de adultos e homens são como crianças. Lá do alto, você me deixa solto, para ir a qualquer direção e vejo milhões de almas, um condominios de universos da cabeça e do coração de cada um. E por mais que eu suba, e por mais que eu conheça o infinito e o eterno, você é meu universo favorito.

domingo, 13 de setembro de 2009

Nua e crua

Um dia parei para pensar sobre a verdade. A tão desejada verdade que na sua nudez chega a doer sem se importar com quem. A verdade apesar de procurada, desejada, às vezes por conveniência é escondida, mas apesar de ocultada é como um carvalho plantado debaixo da cama que por mais invisível em seus primeiros tempos de semente, uma hora seus frondosos galhos começam a surgir tornando-se a evidência que incomoda. Sim, a verdade é implacável, confortante ou traz consigo a espada e são tão fortes seus efeitos que parece que muitas vezes gostaríamos que nunca aparecesse. Bem-aventurada seja a ignorância que não nos devia de nossos rumos, nos deixa absortos em nosso mundo perfeito, nos faz cegos caminhando felizes à beira do abismo sem ter a ciência de onde realmente estamos. Alguns sabem de sua própria cegueira de ignorantes outros pedem conselhos dos sinceros. Há também os qu se fazem cegos para sua própria cegueira. Existe algum arrependimento em querer a verdade que acompanha os sinceros, porém no fundo, nossa curiosidade, algo vivo dentro de nós requisita que retiremos as vendas, e que a verdade esteja assim nua bem à nossa frente.
Sabe aquelas noites de verão, em que o mosquito da dúvida sobrevoa em destetáveis manobras acrobáticas, orbitando nossas cabeças, enlouquecendo-no com o zumbido da incerteza. Nisso, imploramos a verdade que expulsa o nefasto mosquito, aquele desgraçado que nos tira o sono. Ah verdade, tão preciosa...
Bom, que posso dizer a você que me lê, digo que então escolhei bem que tipo de sinceridade que tu precisas, desejas ou gostas. Escolha a verdade que melhor te convier, aquela viciada que faz teus olhos sairem da escuridão. Mas lembre-se que quando se sai repentinamente da escuridão em direção a luz, nossos olhos sempre doem.
E aliás, senão queres dor, nunca pergunte nada ao espelho, por que sua sinceridade é a da verdade mais íntegra, sem dó, sem meias palavras, mas que te faz ver o que realmente és.